Happiness.Documentary

Olá! Este é o blog oficial de divulgação do documentário que estou fazendo: #HappinessDocumentary e outras divulgações de meu interesse.
Eu já tinha este blog desde 2008. Apenas mudei o nome para o nome do documentário e mantive as publicações anteriores para que as pessoas possam me conhecer um pouco mais.

quinta-feira, agosto 09, 2012

Literatura | O herói guiado pelas Mulheres: O sagrado feminino em macunaíma - O espírito da fonte nunca morre. É o misterioso feminino, e à porta da fêmea escura encontra-se a raiz do céu e da terra. É frágil, frágil, mal existe; mas toca-a; nunca se esgota. Lao Tse, Tao Te Ching

Literatura | O herói guiado pelas Mulheres: O sagrado feminino em macunaíma - O espírito da fonte nunca morre. É o misterioso feminino, e à porta da fêmea escura encontra-se a raiz do céu e da terra. É frágil, frágil, mal existe; mas toca-a; nunca se esgota. Lao Tse, Tao Te Ching Em diversas culturas do mundo, das mais primitivas às mais desenvolvidas tecnológica e culturalmente, a presença do feminino como sacro é uma constante. Por séculos, todos os heróis de todos os livros foram exclusivamente masculinos, e a mulher assumiu o papel secundário - a donzela em perigo, a mãe que ajuda na hora certa, a trapaceira que faz o herói cair. Estes estereótipos femininos são claros e constantes e, no entanto, por trás deles há algo de místico, que pode ser definido ao se comparar tais papéis com o papel do feminino segundo a cultura nórdica e celta. Nestas culturas - abandonadas e renascidas tantas vezes que passaram a integrar parte da cultura mundial e não mais apenas da sua região de origem - o feminino é considerado o Sagrado Principal. É Ela - a Deusa - quem dá a vida, quem dá direção à vida e, por fim, quem tira a vida de seus filhos. Há, nesta deusa da cultura pagã, Três Faces sob as quais ela é representada: a Donzela, a Mãe, e a Anciã. Independente dos nomes que assumem - e eles são muitos - estes são os três arquétipos do Sagrado Feminino. O surpreendente é que, apesar da influência do paganismo não ser algo reconhecido, estes arquétipos se repetem em diversas mulheres representadas em cada livro e poema que lemos - eles são as bases da feminilidade cultural, os papéis que cada mulher assume em sua vida, mesmo que não o perceba. A Donzela é a representação da inocência e juventude - não se referindo exclusivamente ao caráter sexual. É ela quem instiga o herói a seguir seu caminho, sem fazer necessariamente parte dele, mas inspirando-o. A Mãe é a doadora da vida, aquela que nutre e faz crescer - literal ou metaforicamente - o herói. Ela pode ser a criadora e também a destruidora, assim como o é na natureza. Ela protege e assegura justiça. A Anciã tem como função acompanhar o herói em seus últimos passos - o que conduz ao seu fim - seja esse fim a sua morte ou apenas a conclusão de sua jornada. É a face mais temida das três, pois é ela quem introduz o desconhecido ao herói. Na obra Macunaíma3, de Mário de Andrade, onde o autor descreve diversas lendas e mitos da cultura indígena brasileira, estas três faces aparecem constantemente, com uma claridade absoluta, como será descrito a seguir tomando como exemplos personagens femininos centrais do texto. Sofará, a esposa de Jiguê (irmão de Macunaíma) é quem transforma Macunaíma de criança em homem - transformando- o em "príncipe" -; ela é apenas uma das muitas mulheres que, ao longo do livro, representam a face da Donzela. Ela faz com que Macunaíma se perceba não mais como criança, mas como indivíduo adulto, interessado em tudo que o mundo não-infantil pode lhe oferecer: apanha do irmão por desfrutar de sua esposa, mas passa a ser reconhecido como ameaça pelos outros homens, tornando-o, assim, um homem também. Iriqui, a segunda esposa de Jiguê, firma Macunaíma como adulto - desta vez, o próprio irmão o reconhece como o herói principal, e deixa da mulher para que ela fique com o irmão - diferente do que acontece com Soforá, Macunaíma é mais ameaça do que ameaçado. Imperador do Mato Virgem O herói se atirou por cima dela para bincar. Ci não queria. Fez lança de flecha tridente enquanto Macunaíma puxava de pajeú. Foi um pega tremendo e por debaixo da copada rebovam os berros dos briguentos diminuindo de medo os corpos dos passarinhos. O herói apanhava. Recebera já um murro de fazer sangu no nariz e um pau fundo de txara no rabo. A icamiaba não tinha nem um arranhãozinho e cada gesto que fazia era mais sangue no corpo do herói soltando berros formidandos que diminuíram de medo os corpos dos passarinhos. Afinal se vendo nas amarelas porque não podia mesmo com a icamiaba, o herói deitou fugindo chamando pelos manos: - Me acudam que sinão eu mato! me acudam sinão eu mato! Os manos vieram e agarraram Ci. Maanape trançou os braços dela por detrás enquanto Jiguê com a murucu lhe dava uma porrada no coco. E a icamiaba caiu sem auxílio nas samambaias da serrapilheuira. Quando ficou bem imóvel, Macunaíma se apoximou e brincou com a Mãe do Mato. Vieram então muitas jandaias, muitas araras vermelhas tuins coricas periquitos, muitos papagaios saudar Macunaíma, o novo Imperador do Mato-Virgem. Macunaíma, Mário de Andrade A Mãe de Macunaíma, sendo referida ao longo dos trechos em que aparece apenas como Mãe, representa, na verdade, a Anciã - é ela quem abandona Macunaíma quando este é ruim para os irmãos, e faz com que ele enxergue seu próprio caminho. Uma vez que ele o encontra, ela se vai, falecendo. Curiosamente, no capítulo seguinte, surge Ci, a mulher mais importante da vida de Macunaíma, completando o ciclo metafórico da vida - não pode haver, na vida do herói, duas mulheres ao mesmo tempo. Macunaíma só está livre para realmente se entregar a Ci porque sua mãe - aquele que o leva ao seu fim - se foi. Ci - talvez por ser uma espécie de deusa independente do papel que tem na vida de Macunaíma - é a representação mais completa das três faces do Sagrado Feminino em todo o livro. Ela é, por si só, Donzela, Mãe e Anciã no ciclo de vida de Macunaíma - o desafia, a princípio, instigando-o a lutar por ela, lembrando, de fato, outro mito da cultura celta: a caçada do cervo, onde o homem se prova como adulto quando consegue alcançar sua caça - caça essa muitas vezes representada pela sua noiva. Os arquétipos femininos se repetem, dando uma unidade ao papel da mulher: a instigadora, a guia, a morte do herói. Como Mãe, ela instiga seu crescimento - ele passa a ser o Imperador do Mato Virgem , alcançando seu potencial completo, antes do começo de sua queda. O próprio nome de Ci significa "Mãe do Mato", complementando esta faceta de seu personagem em relação ao herói. Por fim, Ci morre e sobe às estrelas, tornando- se uma estrela também - sua face de Anciã se mostra aqui, quando ela deixa o herói para trás, com uma missão e os meios de cumpri-la: retomar a Muiraquitã para poder encontrar Ci mais uma vez, recomeçando o ciclo de Donzela, Mãe e Anciã. Por todo o livro os referenciais femininos são fortes e explícitos - apesar de extremamente sexualizadas e erotizadas, as mulheres de Macunaíma, um herói sem nenhum caráter não são idealizadas, nem tampouco perfeitas, assim como também não o é seu herói. Se analisados em profundidade - mesmo em seu contexto indígena e, a um primeiro olhar, completamente diferentes dos pressupostos pagãos nórdicos, os arquétipos se repetem, dando uma unidade ao papel da mulher: a instigadora, a guia, a morte do herói.