Happiness.Documentary

Olá! Este é o blog oficial de divulgação do documentário que estou fazendo: #HappinessDocumentary e outras divulgações de meu interesse.
Eu já tinha este blog desde 2008. Apenas mudei o nome para o nome do documentário e mantive as publicações anteriores para que as pessoas possam me conhecer um pouco mais.

sexta-feira, dezembro 30, 2011

DIÁLOGOS CLARA E GERUSA

Se os vampiros realmente existissem, quase todo mundo iria querer ser um nos dias de hoje

Recentemente, em uma viagem a trabalho, para Fortaleza, fiquei, mais uma vez, hospedada na casa de uma grande amiga, daquelas como poucas, tipo uma irmã de alma.

Jornalista, também fez doutorado na Espanha, no mesmo programa que o meu. Bem, o fato é que com ela podemos conversar de igual para igual, temos muitas idéias parecidas sobre quase tudo.

E acreditem, eu e ela temos uma mesma capacidade de viajar muito nas coisas, entrar fundo, de pirar, alucinar, enfim, de sermos muito viscerais, profundas nas coisas. Desta vez falamos muito de trabalho, de relacionamentos, de pessoas. Até aí normal, todo mundo fala destes temas o tempo todo. O que me fez querer escrever sobre as nossas conversas é a forma como falamos, a profundidade de como as coisas se nos apresentam. Na verdade vamos escrever para nós mesmas, mas a idéia é que se provocar alguma discussão, concordância ou discordância sobre o que colocarmos aqui, tá valendo. Se a história reverberar, beleza, se não, legal também porque é um registro nosso de nossas conversas, então, tá valendo do mesmo jeito.

Uma das conversas que tivemos e que vale a pena reproduzir aqui é que a morte deixou de ter os papeis sociais que ela tinha e passou a ter um único: o medo de envelhecer. A morte está associada ao envelhecimento e não mais como um processo da vida, um ciclo natural de morte e vida, um acúmulo de experiências que deveriam levar à sabedoria que compensa a perda da beleza. Se bem que o conceito de beleza é outra tema que mudou muito...

Eu comentava com ela de um filme, comédia americana, “Casamento de mentirinha”, filme bem tolinho mas que fala de cirurgia plástica e o desespero das pessoas para fazerem qualquer coisa que retarde o envelhecimento. Então tem uma cena engraçada, talvez a única, em que o personagem principal,que é cirurgião plástico, vai a uma festa de um amigo, também cirurgião plástico, e ele está completamente sem expressão no rosto de tanto botox. Tem um tipo de sorriso fixo na boca, tipo do curinga, e uma hora ele pede uma bebida com canudinho e tem dificuldade de acertar o Candinho na boca. Ele ri, chora mas as feições do rosto não se alteram.

Lembramos de algumas atrizes e atores que estão passando por uma transformação por causa das plásticas e estão transformando os rostos e corpos e ficando horríveis. Ela também lembrou do último filme de Pedro Almadóvar, “A pele que habito”e fomos montando coisas nas nossas cabeças sobre este tema, fazendo links com um outro filme recente que vi, o novo filme sobre o livro do Oscar Wilde, o Retrato de Dorian Gray. Muito legal o filme. Claro que o filme, assim como o livro e o primeiro filme, fala de vaidade, de questões éticas, valores morais, arrogância, prepotência, poder, vaidade e juventude eterna etc.

Sabe, é como outro filme que deu origem a uma série, Highlander, em que a vida é eterna, como dos vampiros, mas só pode haver um highlander e ele tem que cortar muitas cabeças para poder ser único e permanecer eterno. É tipo isto, para sermos highlander não importa quantas cabeças temos que cortar para permanecer jovens e de preferência ricos,, porque o conceito de beleza também está associado à posse, aos bens, às roupas, móveis, carros, computadores, enfim, marcas. Em Fight Club Edward Nortan tem uma cena brilhante, onde ele coloca esta necessidade que nos impomos de ter coisas para podermos ser respeitados. É uma inversão total de valores.

Seria bacana se a sabedoria que me refiro, que deveria vir com os anos, como envelhecimento, nos desse esta espiritualidade de aos poucos irmos nos desprendendo destes conceitos, de nos desprendermos das coisas matérias, da arrogância e percebermos que o conhecimento serve para termos humildade de reconhecer que não se sabe nada.

Cada vez mais cedo as pessoas estão tentando retardar o envelhecimento e tá meio que se tornando uma obsessão.

Aproveitando esta onda de filmes e séries de vampiros, estávamos falando que se por acaso os vampiros passassem a existir ninguém se importaria com as questões éticas e morais que têm pro traz do tornar-se um vampiro: perder a alma para tornar-se um ser eterno, que nunca envelhece desde que possa se alimentar de sangue. Temática também muito bem tratada no Retrato de Dorian Gray e em Fight Club.

Com certeza mais da metade da população aceitaria, sem pestanejar, ser transformada em vampiro, ainda que o preço seja perder a alma, para poder permanecer jovem para sempre.

É claro que por trás das várias lendas de vampiros também existe um apelo sensual, uma virilidade, um poder de sedução quase beirando o romantismo se ele não estivesse associado a alguém das trevas, do mau. Tanto que os filmes atuais de vampiros estão romantizando os vampiros e colocando-os como seres melhores, menos “diabólicos”, com certos princípios morais e éticos.

No último sábado antes do Natal fui a um asilo fazer umas doações e enquanto estava lá vi uma velhice feia, cheia de doenças, de abandono. Bem, como diz a música, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Na verdade este refrão, me dá a impressão que também é pensado assim quando se é jovem. Lá no asilo tinha um senhor com câncer de pele que não parava de gemer. Fiquei pensando que uma das coisas que torna a velhice feia é a doença, a perda da capacidade de poder agir e pensar por si e ter que depender de alguém. E olhando todos aqueles velhinhos, além de me perguntar por que eu estava lá, porque eu precisava daquilo, em que ir como voluntária a um asilo pode fazer bem a mim e aquelas pessoas que estão lá, me perguntava também o quê aquelas pessoas fizeram das vidas delas. Eu explico. Como vegetariana que sou e acredito que boa parte do que somos está relacionada com o que comemos, em como levamos a vida, em como respeitamos a natureza e tudo que está inserida nela, a começar por nós mesmos e todo o restante. Se as pessoas entendessem isto e passassem a dar mais ouvidos para seu corpo, entendessem que somos parte de um todo e respeitassem mais a si próprios, passariam a respeitar os outros. Entendendo que os outros não são só as pessoas mas tudo, natureza, animais, meio ambiente. Se fosse assim tenho certeza que as pessoas adoeceriam menos e fariam menos mal ao próximo.

Existem dois paradóxicos com relação aos velhos, não só no Brasil, mas por todas partes que andei, de que por uma pessoa ser velha isto dá a ela uma conotação de “boazinha”, o contraponto é a falta de respeito que existe com os velhos, o descaso.

Bem, envelhecer deveria ser algo digno, encarado com naturalidade e, de preferência, sem tantas doenças. Mas voltando aos meus questionamentos do asilo, me perguntava até onde aquelas pessoas estão, de repente, colhendo o que plantaram. Pode ser que tenha gente lá, no asilo em questão, que seja do bem, mas também temos que considerar que “aqui se faz, aqui se paga”, ou, indo mais além, se formos considerar quem acredita em reencarnação, talvez estejamos pagando aqui erros do passado. Não importa a teoria, mas acredito que parte das doenças estão relacionadas à vida desregrada, falta de alimentação adequada, falta de meditação, da compreensão do nosso próprio corpo. A outra questão é que acho sim que doenças também estão relacionadas com nossos atos, de como tratamos os outros.

Existe um terceiro fator, que também é inegável, é a predisposição genética, a herança genética que já vem conosco, mas, mais uma vez, acredito que até ela podemos ter controle se soubermos cuidar da alimentação.

Bem, voltando ao tema do envelhecimento X juventude, pergunte-se a si mesmo se realmente existissem vampiros e se um te perguntasse se queres te tornar imortal e jovem para sempre, qual seria a tua resposta e, o mais importante, no caso da resposta ser afirmativa, por quê? O que te leva a querer ser jovem para sempre? Eu sei que é muito difícil nos desprendermos das coisas materiais, mas é aí que reside toda a sabedoria. As etapas da vida não existem por acaso. É assim com tudo e com todo ser do planeta e fora do planeta.

Outro dia conversando com um amigo com quem também tenho como falar de igual para igual, falava para ele que me resultava muito estranho que as pessoas não tenham o hábito de se perguntarem o porquê das coisas, algo que para mim vem no automático, desde criança – tanto que muitos enchiam o saco desta minha característica - . Por exemplo, uma pessoa não nasce com pré-conceitos. São valores que ela vai adquirindo em função do meio que vive, algum trauma, algo que tenha despertado tal reação. Pois ela não se pergunta o motivo pelo qual, em que ponto ela começou a ter aquele preconceito. Uma pessoa racista, por exemplo, não costuma se perguntar por que a cor de uma pessoa incomoda tanto ela, se na verdade o que importa é o caráter. Bem, pelo menos o que deveria importar.

E mesmo com coisas que aparentemente parecem normais, como tietagem, ser fã de alguém, de algum grupo etc. A pessoa começa a alimentar este comportamento. Ela não se pergunta por que gosto tanto deste grupo, desta pessoa? Qual a necessidade que eu tenho de ficar colecionando coisas, de ficar horas em uma fila, de chorar? Não são comportamentos normais. É normal gostarmos de artistas, em geral, mas daí a ter estes comportamentos extremados, é lógico que algo de errado está na pessoa que passa ter isto na sua vida como m ritual, quase como uma religião, um fanatismo desmedido. É assim com a religião, futebol, a necessidade de ficar bonito a qualquer custo etc. Estas coisas não podem te dominar, serem maiores que tu, ocupar toda tua vida, mas acontece muito.

E então, voltando ao tema da juventude, da beleza e do envelhecimento, isto também acontece desta forma. Não nos perguntamos por que é tão importante permanecer jovens e belos. As pessoas não se dão conta que existe uma ditadura, uma imposição, relacionada ao consumismo.

A gente tem que fazer um resgate histórico e começar a pensar, a se perguntar quando esta imposição da beleza jovial começou, em que contexto histórico e como isto foi sendo absorvido por todos nós. (Clara, dezembro 2011).







segunda-feira, setembro 05, 2011

segunda-feira, junho 06, 2011

Ser ou não ser de ninguém?

Ser ou não ser de ninguém?
Eis a questão da geração tribalista
por Mônica Montone

Na hora de cantar todo mundo enche o peito nas boates, levanta os braços, sorri e dispara: "eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também". No entanto, passado o efeito do uísque com energético e dos beijos descompromissados, os adeptos da geração "tribalista" se dirigem aos consultórios terapêuticos, ou alugam os ouvidos do amigo mais próximo para reclamar de solidão, ausência de interesse das pessoas, descaso e rejeição. A maioria não quer ser de ninguém, mas quer que alguém seja seu.

Beijar na boca é bom? Claro que é! Manter-se sem compromisso, viver rodeado de amigos em baladas animadíssimas é legal? Evidente que sim. Mas por que reclamam depois? Será que os grupos tribalistas se esqueceram da velha lição ensinada no colégio, de que "toda ação tem uma reação"? Agir como tribalista tem conseqüências, boas e ruins, como tudo na vida. Não dá, infelizmente, para ficar somente com a cereja do bolo - beijar de língua, namorar e não ser de ninguém. Para comer a cereja é preciso comer o bolo todo e nele, os ingredientes vão além do descompromisso, como: não receber o famoso telefonema no dia seguinte, não saber se está namorando mesmo depois de sair um mês com a mesma pessoa, não se importar se o outro estiver beijando outra, etc, etc, etc.

Embora já saibam namorar, "os tribalistas" não namoram. Ficar também é coisa do passado. A palavra de ordem hoje é "namorix". A pessoa pode ter um, dois e até três namorix ao mesmo tempo. Dificilmente está apaixonada por seus namorix, mas gosta da companhia do outro e de cultivar a ilusão de que não está sozinho. Nessa nova modalidade de relacionamento, ninguém pode se queixar de nada. Caso uma das partes se ausente durante uma semana, a outra deve fingir que nada aconteceu - afinal, não estão namorando. Aliás, quando foi que se estabeleceu que namoro é sinônimo de cobrança?

A nova geração prega liberdade, mas acaba tendo visões unilaterais. Assim como só deseja "a cereja do bolo tribal", enxerga apenas o lado negativo das relações mais sólidas. Desconhece a delícia de assistir um filme debaixo das cobertas num dia chuvoso comendo pipoca com chocolate quente, o prazer de dormir junto abraçado roçando os pés sob as cobertas e a troca de cumplicidade, carinho e amor. Namorar é algo que vai muito além das cobranças. É cuidar do outro e ser cuidado por ele, é telefonar só para dizer boa noite, ter uma boa companhia para ir ao cinema de mãos dadas, transar por amor, ter alguém para fazer e receber cafuné, um colo para chorar, uma mão para enxugar lágrimas, enfim, é ter alguém para amar.

Já dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade que "amar se aprende amando" e se seguirmos seu raciocínio, esbarraremos na lição que nos foi transmitida nas décadas passadas: relação é sinônimo de desilusão. O número avassalador de divórcios nos últimos tempos, só veio confirmar essa tese e aqueles que se divorciaram (pais e mães dos adeptos do tribalismo) vendem (na maioria das vezes) a idéia de que casar é um péssimo negócio e que uma relação sólida é sinônimo de frustrações futuras. Talvez seja por isso que pronunciar a palavra "namoro" traga tanto medo e rejeição. No entanto, vivemos em uma época muito diferente daquela em que nossos pais viveram. Hoje podemos optar com maior liberdade e não somos mais obrigados a "comer sal junto até morrer". Não se trata de responsabilizar pais e mães, ou atribuir um significado latente aos acontecimentos vividos e assimilados na infância, pois somos responsáveis por nossas escolhas, assim como o que fazemos com as lições que nos chegam. A questão não é causal, mas quem sabe correlacional.

Podemos aprender amar se relacionando. Trocando experiências, afetos, conflitos e sensações. Não precisamos amar sob os conceitos que nos foram passados. Somos livres para optar. E ser livre não é beijar na boca e não ser de ninguém. É ter coragem, ser autêntico e se permitir viver um sentimento... É arriscar, pagar para ver e correr atrás da felicidade. É doar e receber, é estar disponível de alma, para que as surpresas da vida possam aparecer. É compartilhar momentos de alegria e buscar tirar proveito até mesmo das coisas ruins.

Ser de todo mundo, não ser de ninguém é o mesmo que não ter ninguém também... É não ser livre para trocar e crescer... É estar fadado ao fracasso emocional e à tão temida solidão.

quarta-feira, maio 25, 2011

JALAPÃO

Jalapão, terra linda e abandonada!

Gente, estou em Palmas-TO. Estava no Jalapão. Não conhecia lá e não deu tempo de conhecer tudo. Com certeza voltarei com mais tempo. O local é lindo em paisagens naturais, muitos rios cristalinos, cachoeiras, montanhas. O local é incrível, mas o acesso para lá é dificílimo, somente carros com tração.
Os povoados ribeirinhos são paupérrimos, vivendo praticamente em condições medievais. Na sua grande maioria são analfabetos, sem condições sanitárias e tipo algum, sem postos de saúde, dentistas, projetos sociais, nada!!! Poucos são as casas com banheiro. A alimentação é sempre a mesma: arroz, feijão e alguma carne. De vez em quando tem macarrão. Nada de frutas, verduras, legumes. A higiene é zero! Sério, parece um filme sobre a Idade Média.
Gostaria de fazer um apelo ao governo local, às ONGs, pessoas com espírito aventureiro e que gostem de desafios e gostam de fazer o bem, ajudar, fazer a diferença, promover ações sociais, capacitar as pessoas nativas, alfabetização voluntária, dentistas e médicos voluntários, alfabetização voluntária. Enfim, me escrevam, vamos tentar promover uma grande ação social no Jalapão sem esperar a ajuda do governo. Sou parceira!

terça-feira, março 29, 2011

Feminismo: pluralismo, diferenças e concepções. Entrevista especial com Helena Hirata

Em seu mais recente livro Dicionário Crítico do Feminismo (São Paulo: UNESP, 2010), Helena Hirata busca dissecar termos relacionados ao mundo das mulheres e, assim, mostrar os significados de questões como opressão, dominação masculina, aborto e contracepção, assédio sexual, prostituição, maternidade e movimentos feministas. “A relação entre homens e mulheres oculta uma questão importante que é a hierarquia social. Se considera que os homens são superiores às mulheres e, portanto, daí decorre toda uma série de diferenças entre eles. É essa hierarquia que tem que ser questionada”, explica a autora durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone.

Hirata também analisou questões como o pensamento crítico feminista, as diferenças entre as mulheres de diferentes profissões e a divisão sexual do trabalho. Quando analisa a participação das mulheres no grupo conhecido como Geração Y, formada por jovens bem informados, questionadores e com sede de subir na carreira, ela diz que “certamente existem mulheres dentro deste grupo, mas aparentemente todos os estudos sobre hackers e sobre os que têm uma atividade muito intensa em termos de uso da Internet considera que esta área é majoritariamente ocupada por homens”.

Helena Hirata é professora na Universidade Estadual de Campinas, onde pesquisa Sociologia do Trabalho e do Gênero.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Seu mais recente livro chama-se Dicionário Crítico do Feminismo...

Helena Hirata – Na realidade, nós queríamos que muitas pessoas que não são especialistas na questão de gênero, do feminismo, da diferença entre os homens e as mulheres, da questão da opressão, da dominação masculina etc. pudessem ter acesso de maneira simples, clara, a toda uma série de definições sobre termos do mundo das mulheres. Nesse sentido, há um verbete no livro sobre aborto e contracepção, assédio sexual, prostituição, maternidade, movimentos feministas. Então, há uma série de verbetes que apresento, em cinco páginas, com quatro ou cinco bibliografias básicas. Cada verbete é dividido em quatro partes: uma é a definição do termo – que vai desde termos relacionados ao feminismo até termos de sociologia e economia do trabalho –, depois apresento uma história desse termo, ainda o debate e controvérsias relacionadas ao tema, e o quarto aspecto é a atualidade social e científica deste assunto.

A questão do feminismo que esse livro toca mostra que é muito importante que todas as questões relacionadas às diferenças de sexo são políticas. São temas que têm conteúdo político, porque tudo o que é pessoal é político. E a relação entre homens e mulheres oculta uma questão importante que é a hierarquia social. Se considera que os homens são superiores às mulheres e, portanto, daí decorre toda uma série de diferenças entre eles. É essa hierarquia que tem que ser questionada e, assim, o Dicionário Crítico do Feminismo é um instrumento para apreciar o conteúdo e os limites dessa hierarquia para que possamos pensar numa nova divisão do trabalho.

IHU On-Line – Como você vê hoje o pensamento crítico feminista?

Helena Hirata – Eu acho que há muitos feminismos, existem muitos movimentos feministas. O feminismo é um movimento plural, pois há pessoas ali dentro que são contra o aborto, há feministas que acreditam que a prostituição pode ser regulamentada, além de pessoas que são contra o véu islâmico. Na França, hoje, o movimento feminista mais dominante é o que chamamos de feminismo socialista que se preocupa com uma igualdade maior de salários, de condições de trabalho etc. No Brasil, o que tenho visto, por exemplo, também são reivindicações mais universalistas do que diferencialistas que considera que homens e mulheres agem de forma diferente e, portanto, merecem espaços distintos. As universalistas, por sua vez, acham que deve haver uma tônica maior na questão da igualdade.

IHU On-Line – No mundo do trabalho, a forma de enxergar a mulher cuja área em que atua é o chão de fábrica e a que trabalha na área administrativa é diferente?

Helena Hirata – Elas têm uma situação de trabalho e são vistas de maneira diferente. Ainda hoje as que trabalham no chão de fábrica têm sua profissão menos valorizada socialmente do que as profissões de ‘colarinho branco’, que trabalham em escritório, num ambiente de trabalho que é menos controlador. Ainda assim, há mais solidariedade e possibilidade de lutas entre as mulheres que estão organizadas no chão de fábrica, como operárias. Um exemplo disso foi esse segundo Congresso da Mulher metalúrgica que houve em São Bernardo, no sindicato dos metalúrgicos do ABC em março deste ano.

IHU On-Line – O que representa para a sociedade a participação feminina em lideranças de movimentos sociais e trabalhistas?

Helena Hirata – A participação das mulheres na sociedade é algo muito importante para a riqueza do país porque, se elas não efetuassem gratuitamente certas tarefas, isso teria que ser comprado no mercado e teria que se remunerar esse trabalho. O que criaria um problema de despesas tanto familiares quanto sociais e públicas. De uma maneira geral, existem movimentações sociais em que as mulheres estão inseridas, mas, em primeiro lugar, o mais importante é ver como elas são importantes para a criação de toda uma série de riquezas que, se não fossem as mulheres que estivessem fazendo de graça, o país teria um grande problema financeiro.

IHU On-Line – Quais os pontos fortes da reflexão sobre o trabalho do cuidado, desempenhado especificamente pelas mulheres?

Helena Hirata – O mais importante é que são as mulheres, majoritariamente, que fazem este tipo de trabalho. O fato delas fazerem o mesmo tipo de trabalho e cuidado com pessoas idosas, doentes, com deficiência física e com crianças, de maneira gratuita dentro de suas casas, faz com que esse trabalho seja muito desvalorizado e mal pago. Ao mesmo tempo, o fato de que as mulheres começam a trabalhar de maneira remunerada, mesmo mal pagas, nestes tipos de trabalhos, paradoxalmente, visibiliza um trabalho doméstico, até então efetuado de maneira privada e invisível. Isso mostra que esse trabalho não é feito gratuitamente, tem que ser remunerado e mercantilizado. A externalização do trabalho doméstico, que antes era feito por amor ao marido, ao companheiro, pode ser um lugar de valorização deste trabalho. Esse trabalho é muito importante, por que se desenvolveu e se desenvolve enormemente hoje, sobretudo dado a tendência demográfica do envelhecimento e da longevidade cada vez maior das pessoas idosas em todo o mundo, inclusive no Brasil, e isso faz com que esse trabalho seja cada vez mais significativo na sociedade contemporânea.

O outro ponto importante neste trabalho, que é fundo do debate teórico, é que muitas pesquisadoras e especialistas no tema dizem que precisamos superar o enfoque de gênero quando falamos de cuidado. O que falei é que há diferenças entre homens e mulheres, e são as mulheres que fazem este tipo de trabalho, que se sacrificam e ganham pouco, que têm um trabalho invísivel, mas que pode ser visibilizado. Ora, as pesquisadoras e teóricas, que trabalham sobre a ética, a política e a moral deste tipo de trabalho, irão dizer que, na realidade, não é a questão de gênero que é principal na problemática do care, mas que mostra que todas as pessoas irão ser dependentes em algum momento do ciclo de vida delas, e, portanto, isto deve ser uma preocupação universal. Segundo elas, todos devem fazer este tipo de trabalho, porque concerne a todos. Hoje, nós adultos, somos independentes, autônomos e nos orgulhamos disso, mas não seremos sempre assim. Já fomos dependentes quando pequenos, se remos em momentos de doença, e seremos dependentes, forçadamente, a partir de um certo momento da vida, pela idade mais avançada. Acho que essa é uma das questões mais importantes, desenvolvidas pela problemática deste tipo de trabalho, é a questão universal, que ultrapassa o gênero, e trata do humano.

IHU On-Line – A Divisão Sexual do Trabalho é um dos seus temas de estudo e também um dos verbetes na obra. Qual é a importância dessa discussão atualmente?

Helena Hirata – Até hoje, se falou muito no trabalho profissional dos homens e mulheres e na igualdade de

Gloria Macapagal Arroyo é a atual presidente das Filipinas. É a segunda presidente de seu país depois de Corazón Aquino.
salários que seria necessária, já que os sálarios masculinos e femininos são muito díspares em todo o mundo, embora sejam mais igualitários em um país europeu como a Suécia, e muito desigualitário em um país asiático como o Japão. Para além dessas discussões sobre desigualdade de salários e na profissão, a questão da divisão sexual do trabalho remete a ideia de que há uma divisão entre os sexos, tanto no terreno do trabalho quanto no do saber e do poder, e que tudo isso é indissociável. Não podemos pensar na situação das mulheres no campo, puramente, do trabalho, sem pensar na situação das mulheres no campo do trabalho doméstico, do saber, do poder e na divisão das capacidades de decisão e responsabilidade nos governos, parlamentos e diferentes campos das instituições. Quando digo que há pouca perspectiva de gênero nesses diferentes âmbitos de poder, não é pelo fato de que, se tem uma mulher em cada governo, isso irá mudar frontalmente as coisas, isso é demonstrado pela Gloria Macapagal Arroyo, nas Filipinas, pela Cristina Kirchner, na Argentina ou Michelle Bachelet, no Chile. Houve e há mulheres presidentes, que são uma minoria, mas não é porque são mulheres que

Cristina Kirchner e Michelle Bachelet
tudo muda de repente, as políticas não mudam de uma hora para outra. É necessário que haja divisão sexual do trabalho. O grupo social dos homens e das mulheres deve ser modificado, porque um indivíduo não vai mudar, frontalmente, essas coisas.

No verbete Divisão Sexual do Trabalho e Relações Sociais de Gênero, a Danièle Snotier tem uma tese importante. Ela diz que o trabalho e a divisão sexual deste é o que está em jogo nas relações sociais entre os homens e mulheres. Eles lutam pela repartição desse trabalho profissional e doméstico, e, enquanto não houver uma mudança na divisão sexual do trabalho, a desigualdade, dominação, opressão e exploração das mulheres pelos homens vai continuar.

IHU On-Line – Em se tratando de divisão sexual do trabalho, há uma vulnerabilidade provocada socialmente pelo casamento?

Helena Hirata – Muitas teóricas do feminismo irão dizer que o casamento é uma maneira de criticalizar essa situação de desigualdade e poder. Dizem que os homens casando, de certa forma, se apropriam, não só das mulheres, mas do corpo delas e de sua disposição. Assim, portanto, elas vão se tornar, com o casamento, uma espécie de prostitutas, já que elas são dependentes economicamente, e são sustentadas pelo marido em troca de diversos favores, inclusive sexuais. Há toda uma análise que é feita por antropólogas e por sociólogas. Há uma série de autores que, de certa forma, analisam casamento e prostituição como sendo duas faces de um mesmo tipo de poder e opressão dos homens sobre as mulheres. Acho que essa discussão é totalmente atual, e a questão da vulnerabilidade se coloca inclusive em sociedades em que as mulheres deixam de trabalhar, ou não podem trabalhar, por que devem se dedicar aos filhos, a casa etc. Elas se tornam vulneráveis na medida em que dependem totalmen te das rendas do marido, e, portanto, são vulneráveis em situação de ruptura, quando se divorciam, por exemplo, e em situações em que elas continuam sobre o julgo do marido, porque dependem completamente deles para tudo que desejem realizar como projeto. Acho que os estudos sobre precarização social e do trabalho, com muito raras exceções, não veem os indicadores, essas variáveis de vulnerabilidade.

IHU On-Line – A figura da mulher executiva tem crescido nessas últimas duas décadas. Qual a sua visão sobre isso?

Helena Hirata – Hoje existe toda uma análise de escolas e pensamentos feministas que denomina essa tendência de polarização de emprego feminino. Há dois pólos, um mais valorizado e reconhecido, com salários relativamente altos e muitas responsabilidades. Da população feminina, 10% tem esses “bons empregos” e 90% cumpre funções relacionadas com o que elas fazem em casa, como as empregadas domésticas, enfermeiras, auxiliares de enfermagem, professoras etc. Esses dois grandes pólos fazem com que haja uma categoria de mulheres que tenha um tipo de comportamento de atividades contínuas, longas horas de trabalho, viagens e consequentemente pouca possibilidade de cumprir plenamente os papéis sociais atribuídos à mulher. Então, essa figura da executiva está criando uma consequência que é a necessidade cada vez mais de outras mulheres de camadas populares que não têm as mesmas necessidades de estarem presentes na vida das famílias. A carreira profissional de uma depende da carre ira de outras, porque uma complementa o trabalho feminino da outra. Há, portanto, um potencial político e social muito grande por parte dessas domésticas, babás entre outras que fazem a carreira dessas mulheres executivas funcionar.

IHU On-Line – As empresas multinacionais contribuíram para um melhoramento das condições de trabalho especialmente das mulheres?

Helena Hirata – Fiz muitas pesquisas sobre multinacionais francesas e japonesas, tanto nesses países como no Brasil, e posso dizer que realmente há uma melhora das condições de trabalho das mulheres de países ditos em vias de desenvolvimento quando são empregadas pelas firmas multinacionais. Em termos de salário, por exemplo, uma mulher que trabalha numa multinacional vai ganhar mais do que ganhava numa firma de capital nacional. Isso porque as multinacionais têm mais possibilidades de movimentações financeiras e podem dar melhores condições de trabalho. Nos anos 1980, quando estive numa multinacional francesa na área da metalúrgica, de sobremesa, eles davam maçã numa época que essa fruta não era comum no Brasil. Então, eu acho que desse ponto de vista dos benefícios sociais, as próprias operárias reconhecem como boas condições. Só que essas condições melhores não podem ser consideradas em si, mas no conjunto dos movimentos das empresas nas sociedades.

IHU On-Line – Há, hoje, a chamada Geração Y, conhecida também como a geração da Internet, considerados jovens bem informados, questionadores e com sede de subir na carreira. Como você vê a participação da mulher nesse grupo?

Helena Hirata – Acho que certamente existem mulheres dentro deste grupo, mas aparentemente todos os estudos sobre hackers e sobre os que têm uma atividade muito intensa em termos de uso da Internet considera que esta área é majoritariamente ocupada por homens. Nesse sentido, está a questão da relação das mulheres com a técnica. Há estudos da diferença entre a relação dos homens e mulheres com a técnica e parece que há o que algumas autoras chamam de construção social da incompetência técnica das mulheres. Não se pede às mulheres para consertar um carro, por exemplo. Claro que, cada vez mais, há uma tendência à igualização das relações de homens e mulheres com a técnica. Mas hoje, por mais que as mulheres tentem entrar na área da informática, o setor é ainda majoritariamente ocupado por homens no plano profissional.

Fonte: http://www.pvmulher.org.br/

SOCIEDADE DO ESPETÁCULO: MAL DE UMA ÉPOCA

“Nosso tempo, sem dúvida . . . prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser. . . O que é sagrado não passa de ilusão, pois a verdade está no profano. Ou seja, à medida que decresce a verdade a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado. Feuerbach - Prefácio à segunda edição de “A Essência do Cristianismo”. Essas palavras do filósofo Feuerbach nos dizem algo fundamental sobre nossa época. Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação. As imagens fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum, de forma que a unidade da vida não mais pode ser restabelecida. A especialização das imagens do mundo acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo. O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada. O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens. O espetáculo não pode ser compreendido como abuso do mundo da visão ou produto de técnicas de difusão massiva de imagens. Ele é uma visão cristalizada do mundo. No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso. O conceito de espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes. As suas diversidades e contrastes são as aparências organizadas socialmente, que devem, elas próprias, serem reconhecidas na sua verdade geral. Considerado segundo os seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, socialmente falando, como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do espetáculo descobre-o como a negação visível da vida; uma negação da vida que se tornou visível. O espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é «o que aparece é bom, o que é bom aparece». A atitude que ele exige por princípio é aquela aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência. O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si mesmo. Na forma do indispensável adorno dos objetos hoje produzidos, na forma da exposição geral da racionalidade do sistema, e na forma de setor econômico avançado que modela diretamente uma multidão crescente de imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da sociedade atual. O espetáculo submete para si os homens vivos, definindo toda a realização humana em uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social em busca da acumulação de resultados econômicos conduz a uma busca generalizada do ter e do parecer, de forma que todo o «ter» efetivo perde o seu prestígio imediato e a sua função última. Assim, toda a realidade individual se tornou social e diretamente dependente do poderio social obtido. Destituída de seu poder prático e permeada pelo império independente no espetáculo, a sociedade moderna permanece atomizada e em contradição consigo mesma. Mas é a especialização do poder, a mais velha especialização social, que está na raiz do espetáculo. O espetáculo é, assim, uma atividade especializada que fala pelo conjunto das outras. É a representação diplomática da sociedade hierárquica perante si própria, onde qualquer outra palavra é banida, onde o mais moderno é também o mais arcaico. A origem do espetáculo é a perda da unidade do mundo, e a expansão gigantesca do espetáculo moderno exprime a totalidade desta perda: a abstração de todo o trabalho particular e a abstração geral da produção do conjunto traduzem-se perfeitamente no espetáculo, cujo modo de ser concreto é justamente a abstração. No espetáculo, uma parte do mundo representa-se perante o mundo, e é-lhe superior. O espetáculo não é mais do que a linguagem comum desta separação. O que une os espectadores não é mais do que uma relação irreversível com o próprio centro que mantém o seu isolamento. O espetáculo reúne o separado, mas reúne-o enquanto separado. A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece no fato de que os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que os apresenta a ele. Eis por que o espectador não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo está em toda a parte. Eis por que nossos valores mais profundos têm dificuldade de sobreviver em uma sociedade do espetáculo, porque a verdade e a transparência, que tornam a vida realmente humana, dela são banidas e os valores enterrados sob o escombro das aparências e da mentira que separam em vez de unir.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape